Tudo começou num jantar em Palo Alto. Na época eu tocava a Enter (antiga Talisman) do meu dormitório no Schwab, prédio onde moram os alunos do MBA de Stanford. Acordava às 4h55 da manhã todo dia para participar da daily da empresa com nosso time de seis pessoas, às 5h (10h do horário brasileiro).
Era dezembro de 2023 e nossa receita tinha crescido 10x em cinco meses (de R$8 mil para R$80 mil por mês). Eu estava decidido a apostar minha vida nesse negócio. Decidi então abandonar o MBA. A sensação de fazer algo pela metade, de precisar conciliar as aulas do MBA em vez de olhar apenas para a minha empresa, era insuportável para mim.
Marquei então uma conversa com o John Hennessy, ex-presidente de Stanford e hoje chairman global do Google. Ele me deu uma bolsa integral para o MBA e devo muito a ele. Não sabia como ele reagiria. Expliquei toda a situação. Ele respondeu: “I didn't expect anything different from you. Go build something big.”
Já de malas prontas para voltar ao Brasil – três malas bem pesadas e com Macbooks para o time de engenharia –, recebo um cold e-mail do Konstantine Buhler, general partner da Sequoia Capital, o principal fundo de venture capital do mundo e que investiu bem no começo de Apple, Google, NVIDIA, Airbnb, WhatsApp, entre outros home runs. Nós nunca tínhamos nos falado antes.
Ele estava me convidando para um jantar com alguns alunos de Stanford que estavam empreendendo. Cheguei uns 30 minutos antes do horário para conseguir um lugar na mesa do lado dele. Deu errado: o jantar tinha lugar marcado e meu nome ficou lá no canto da mesa. No meio do jantar, eu aproveito a ida de um colega ao banheiro e me sento do lado dele. Faço o pitch. Falamos por uns vinte minutos. Comecei pela manchete: a Enter vai ser a maior empresa de AI da América Latina. Ele gravou.
Uma década antes disso, o John, que pagou meu MBA, havia sido orientador do Konstantine num mestrado em machine learning no departamento de Computer Science de Stanford. Eles se falaram e o Konstantine pediu referências. O John falou muito bem, e tenho certeza de que isso foi decisivo para ele querer fazer um catch up a cada 2–3 meses.
O Konstantine sempre respondia meus emails em menos de 30 minutos – sempre. No natal de 2023, nenhum investidor me mandou mensagem (e eu nem esperava), exceto ele: “wishing you a very Merry Christmas and I hope you're having a lot of success with Talisman”. Como é possível que o sócio do melhor fundo, com o melhor track record, é justamente o que se dá o trabalho de me mandar um cold email para um jantar, de mandar mensagem de natal, de cuidar desses detalhes? Talvez exatamente por isso eles sejam os melhores.
Já de volta ao Brasil, a empresa crescia. Voltar de Stanford foi um momento Manhattan Project. O Mike e o Henrique pediram demissão como CTO e CMO da Wildlife Studios; o Banduk se mudou recém-casado de Ilhabela com a esposa e os dois cachorros; Israel e Alex vieram de Brasília com passagem só de ida; e o Juliano se mudou de Campinas. Veio um de cada canto, como foi a construção da cidade da bomba atômica em Los Alamos.
Todo mundo para trabalhar presencialmente de um sótão em Pinheiros, todos os dias, carinhosamente apelidado de “boca de porco” pelo nosso investidor anjo André Street (fundador e ex-CEO da Stone) por causa da falta de ar condicionado (no meio do verão) e infestação de pernilongos:
Voltei para São Francisco seis meses depois, em julho de 2024, para uma conversa 1-1 com o Sam Altman, na casa dele. Aproveitei a visita ao Sam para passar na Sequoia e atualizar o Konstantine. Não preparei apresentação, nem deck. Só escrevi quatro palavras numa folha de caderno: “90% of labor lawsuits”.
Eu sabia que a principal objeção dele à Enter era o tamanho do mercado brasileiro. “A Sequoia só investe em negócios que podem valer $10 bilhões de dólares”, ele me explicou quando nos conhecemos. Fazia sentido, afinal o último investimento deles no Brasil, o Nubank, valia $45 bilhões de dólares.
Por isso mostrei que o Brasil, em que pese ter um PIB pequeno perto de EUA e China, é responsável por 90% dos processos trabalhistas do mundo. Meta e United, empresas americanas, sofrem mais processos de consumidores aqui do que nos Estados Unidos. Expliquei o rombo bilionário causado por litigância predatória e fraude processual, muitas vezes maior do que o lucro líquido das empresas. E nosso produto estava ajudando de verdade grandes empresas a reduzir condenações judiciais e gastos com advogados.
Entre eu sair do escritório da Sequoia na Alabama Street e entrar no carro, recebo um email dele com o assunto “Energizing”. Marquei então para ele conhecer dois dos nossos clientes – dois bancos listados em bolsa. Ele tem o hábito de perguntar a clientes o que eles fariam se a empresa desaparecesse. “Não temos plano B se a Enter sumir,” foi a frase que mais o marcou dita por um dos bancos, ele me contou depois.
Voltei para o Brasil, mas era melhor ter ficado por lá. Três dias depois voei de volta para São Francisco, dessa vez com Mike e Henrique, para contar nossa história a toda a partnership da Sequoia. O Konstantine foi nos buscar no aeroporto. De novo, os detalhes.
Logo depois de ouvir a apresentação do Mike e do Henrique, um dos sócios gritou lá do fundo da longa mesa de reunião: “I'm fired up!” O pitch foi perfeito. Os melhores empreendedores crescem na hora da verdade, e eu me senti sortudo de ter dois sócios com trajetórias que deixaram todos de queixo caído e que haviam construído o produto de AI que qualquer empresa brasileira gostaria de ter.
Explicamos ao Alfred Lin, número 1 da Midas List e investidor do Doordash, que o iFood (o Doordash brasileiro) era nosso cliente e recebia processos judiciais – em vez de reclamações no SAC – de clientes cobrando o reembolso de R$20 reais por um milkshake e mais R$10 mil reais em danos morais por ele ter vindo virado. Era uma realidade totalmente nova para eles. Convencemos a Sequoia que o problema era grande demais para ignorar.
Os sócios deliberaram por uma hora enquanto esperávamos numa sala dentro do escritório da Sequoia, em Sand Hill Road. Do nada, vemos uma movimentação de todos eles caminhando na nossa direção. Entra um por vez: Roelof Botha primeiro; depois Lauren, Charlie, Alfred e os demais. O Konstantine segurava um documento de duas páginas na mão. Era o term sheet.
Ligamos para nossos advogados do Wilson Sonsini nos ajudarem a entender e negociar os detalhes dos termos – ainda no escritório da Sequoia e com a foto do Steve Jobs e do David Vélez passando na televisão. Assinamos o term sheet poucas horas depois:
Fomos comemorar no Evvia, um restaurante meio lendário de Palo Alto, onde, por exemplo, a fusão da Confinity – do Peter Thiel – com o X (de pagamentos) – do Elon Musk – foi negociada em 2001, criando o Paypal (mais uma empresa investida pela Sequoia bem no começo). Não antes de tirar uma foto, com Konstantine e Lauren, onde ficam todos os formulários S1 dos IPOs de empresas do portfólio da Sequoia:
Mandei uma mensagem aos nossos investidores, incluindo o John, que se tornou anjo quando deixei Stanford, anunciando a rodada: “We're raising additional capital to take over the Brazilian litigation market, not to expand to other AI verticals. We'll add more wood behind fewer arrows. Our team is driven by a deep sense of urgency that the world's most profound technological transformation is happening before our very eyes, and its business upside is up for grabs.”
Mais de um ano depois do jantar em Palo Alto que começou tudo, há muito trabalho pela frente. Vamos agora realizar o que eu disse ao Konstantine quando nos conhecemos, de que a Enter será a maior empresa de AI da América Latina.
Mateus